“A sua fama, porém, se espalhava cada vez mais, e grande multidões se ajuntavam para ouvi-lo e serem curadas de suas doenças. Mas ele se retirava para lugares desertos, e ali orava” (Lc 5.15,16) É quase unânime a convicção de que Dr. Lucas, o médico amado (Cl 4.14), tenha sido o autor deste belo Evangelho. Desde o início da narrativa ele deixou clara sua intenção de analisar sistematicamente as evidências. Seu objetivo era “investigar tudo cuidadosamente desde o começo e escrever uma narrativa em ordem” (Lc 1.3).
O olhar metódico, organizado e racional eram marcas distintivas na vida de Lucas. Talvez os vários anos de estudo e o exercício da medicina o tenham deixado assim. Sendo ou não por esta razão, fato é que Lucas era mestre em capturar detalhes riquíssimos. Foi dele, por exemplo, a informação de que Jesus sofrera um fenômeno raríssimo na medicina: a Hematidrose (suor sanguinolento). Nem Mateus, Marcos ou João o fizeram, mas apenas Lucas. A perícia do seu olhar clínico era impressionante, mas não para por aí.
Outros detalhes curiosos na narrativa de Lucas merecem destaque. O Dr. Lucas, cristão recém-convertido, dá evidências da sua nova natureza. Apesar do rigor técnico com que sempre viu a vida, ele agora demonstra ser alguém sensível à realidade espiritual. Detalhes encontrados no evangelho escrito por ele atestam isso.
No capítulo 6, versículos 12 a 16, Lucas narra a escolha dos doze Apóstolos. Mas fez questão de mencionar o que antecedeu aquela importante ocasião:“Naqueles dias, Jesus se retirou para um monte a fim de orar; e passou a noite toda orando a Deus” (Lc 6.12). Mateus (10.1-4) e Marcos (3.13-19) também registraram este solene momento, mas apenas Lucas enfatizou a intensa madrugada de oração que o precedeu.
Lucas mirou em algo que era inegociável na vida de Jesus: oração. Foi dele a observação de que, apesar da fama que crescia cada vez mais, Jesus sempre se retirava para lugares desertos a fim de orar (Lc 5.15,16). Também mencionou que Ele, em meio à grande aflição, orava cada vez mais (Lc 22.44). Lucas se rendeu, encantado, à rotina devocional de Jesus. A simplicidade espiritual do Mestre cativou a alma daquele médico.
Fica aqui uma importante lição. Apesar da nossa realidade social, acadêmica, financeira, devemos rogar a Deus que torne nossa alma sensível ao seu manifestar diário. Quase sempre nossa agenda pós-moderna frenética atropela e mata a sensibilidade da nossa alma. Somos atingidos por uma espécie de torpor espiritual. Não mais conseguimos ver e sentir o manifestar de Deus em detalhes do nosso cotidiano. E esse é um prejuízo danoso e quase irreparável.
É necessidade prioritária nos (re) encantarmos com a beleza do nosso Deus, manifestada, quase sempre, em detalhes minúsculos da vida. Confinar nossa intimidade com Deus às reuniões dominicais é assinar decreto de morte para nossa vida espiritual. Se negligenciarmos este aspecto importante da caminhada cristã, sofreremos as conseqüências. Talvez, por esta razão, Paulo, contemporâneo do Dr. Lucas, alertou que havia entre os cristãos coríntios“muitos fracos, doentes e não poucos que dormiam” (1 Co 11.30, adaptado). Se não tivermos cuidado, poderemos, sem perceber, trilhar este nefasto caminho.
É tempo de fincarmos estacas, elegendo o que realmente deve ser prioridade em nossas vidas. E que demos um basta à mornidão espiritual. Que nos extasiemos a cada nova oração, leitura bíblica, comunhão. E que estejamos sensíveis ao manifestar diário de Deus em nossas vidas. Amém!
Pr. Francisco Helder Sousa Cardoso